27/03/2017

Poesia

Poema uma vez recitado pelo Palhaço Picolino:

Eu quero explicar a vocês
O que é ser um palhaço,
O que é ser o que eu sou
E fazer isso o que eu faço.

Ser palhaço é saber distribuir
Alegria e bom humor
E com esforço contentar
O público espectador.

Muita gente diz “Palhaço”
Quando quer xingar alguém,
E esse nome pronunciam
Com escárnio e desdém.

E ao ouvir esta palavra,
Outros sentem até pavor,
Como se palhaço fosse
Criatura inferior.

Mas de uma coisa fiquem certos:
Para ser um bom palhaço
É preciso alma forte
E também nervos de aço.

E além de tudo é preciso
Ter um grande coração,
Para sentir isso o que eu sinto,
Grande amor à profissão,

O Palhaço também tem
Suas noites de vigília,
Pois lá, na sua barraca,
Ele tem a sua família.

Palhaço, meus amigos,
Não é nenhum ser repelente.
Palhaço não é um bicho,
Palhaço também é gente.

Falo isso em meu nome
E em nome de outros palhaços,
Que, muitas vezes, trabalham
Com a alma em pedaços..

Ser palhaço, meu senhor,
É saber disfarçar a própria dor
É saber sempre esconder
Que é também sofredor.

Porque se ele está sofrendo.
Ninguém deve perceber.
Pois o Palhaço nem tem
O direito de sofrer.

06/02/2012

Poesia

No caminho com Maiakóvski
Eduardo Alves da Costa


Assim como a criança
humildemente afagaa imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakóvski.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos,
aprendi a ter coragem.

Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite, eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho em nossa casa,
rouba-nos a luz, e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.

10/02/2010

Carnaval

RIO DE JANEIRO: CARNAVAL E CAPITAL

O Carnaval é vendido como "a maior festa popular do mundo". Mas, será verdade? O que ele guarda de popular e o que entrega às regras do mercado? Este artigo se debruça sobe seu evento mais emblemático: o desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro.
por Mario Conte

No artigo que segue, será demonstrada a tensão resultante dos interesses de classe e suas conseqüências nas produções culturais de origem legitimamente popular. Estas tensões se dão através da necessidade legítima de todo ser humano manifestar-se de forma lúdica e criativa (a cultura popular) concorrendo diretamente com o interesse das classes dominantes no sistema capitalista de apropriar-se das criações humanas como forma de obtenção de lucro e acúmulo de riqueza. Sendo expressão popular tida como exemplar da cultura brasileira, o carnaval carioca será o objeto desta demonstração de que o capitalismo tem a capacidade, enquanto sistema, de assimilar toda criação humana, transformando-a em mercadoria.

17/01/2010

Cordel

Big Brother Brasil
Autor: Antonio Barreto
(cordelista natural de Santa Bárbara-BA, residente em Salvador)

Curtir o Pedro Bial
E sentir tanta alegria
É sinal de que você
O mau-gosto aprecia
Dá valor ao que é banal
É preguiçoso mental
E adora baixaria.

Há muito tempo não vejo
Um programa tão 'fuleiro'
Produzido pela Globo
Visando Ibobe e dinheiro
Que além de alienar
Vai por certo atrofiar
A mente do brasileiro.

19/12/2009

Políticas Públicas

QUEM GANHA COM O VALE-CULTURA?

Projeto do Governo Federal aprovado no Senado destina verbas públicas para os bolsos dos tubarões da Indústria Cultural, com o pretexto de ‘desenvolver a cultura do povo’.
por Mario Conte

Foi aprovado no Senado, nessa quarta-feira, dia 16/12/2009, o Projeto de Lei da Câmara (PLC 221/09), de iniciativa do presidente da República. Esse projeto cria o Vale-Cultura no valor de R$ 50,00 para trabalhadores que recebem até cinco salários mínimos, e estende-se a estagiários e aposentados, no valor de R$ 30,00. O mesmo Vale-Cultura deverá ser utilizado no consumo de bens culturais obrigatoriamente e funcionará como um vale-alimentação, sendo o pagamento feito através de um cartão magnético.

26/10/2009

Arte para que?

ARTISTAS, ARTE E REVOLUÇÃO

O debate que se dá entre os artistas que se declaram ‘de vanguarda’ e a necessidade da ação revolucionária para a liberação da arte e da independência da arte para a revolução.
por Mario Conte

Os artistas não constituem um grupo à parte das relações de classe, do estado ou do sistema econômico. Pode parecer muito estranho iniciar este texto por um fato tão óbvio: ainda que a matéria do trabalho do artista seja basicamente a imaginação, ele é um ser deste mundo, com todas as necessidades materiais de qualquer outra pessoa. Necessidades estas que precisam ser obtidas pelos mesmos meios que todas as pessoas se utilizam na sociedade capitalista: a venda de mercadorias produzidas por elas, ou a venda da sua força de trabalho, usada para produzir mercadorias. Por mais óbvio que pareça o fato de que o artista está neste mundo e, sendo assim, não observa este mesmo mundo do alto, sem participar dele, em outras épocas esta relação se fazia muito mais clara que hoje, principalmente para os próprios artistas. Exatamente porque em outras épocas a arte e, consequentemente, os artistas encontravam-se a serviço do poder oficial para poder sobreviver.

02/10/2009

Cultura x Mercado

PEC 150: MAIS CULTURA, MENOS MERCADO!

Na quarta-feira da semana passada foi aprovada uma reivindicação histórica dos artistas: a Proposta de Emenda Constitucional 150 (PEC 150).
por Marília Carbonari

A PEC 150 compromete anualmente no mínimo 2% dos recursos da União, 1,5% dos Estados e 1% dos municípios para a preservação do patrimônio cultural brasileiro e para produção e difusão da cultura nacional. Atualmente o orçamento federal destinado à cultura é de apenas 0,5%.

Na justificativa da emenda constitucional aprovada pela comissão especial da Câmara dos Deputados lê-se: “valorização da cultura nacional depende de um decisivo e continuado apoio governamental”.

04/06/2009

Movimento 27 de Março

BARRAR A PRIVATIZAÇÃO DA CULTURA

Trabalhadores da Cultura devem continuar sua luta por mais verbas públicas e contra a renúncia fiscal.
por Roberta Ninin

Trabalhadores da cultura e de grupos teatrais de São Paulo, organizados no Movimento 27 de Março, buscam a continuidade da luta pelas reivindicações da categoria após a vitoriosa ocupação das dependências da Fundação Nacional das Artes no dia 27/03 (ver mais aqui).

As mobilizações da categoria e o apoio de movimentos, organizações e mandatos da classe trabalhadora, obrigaram o Ministério da Cultura a receber uma comissão eleita para ouvir as reivindicações do movimento: mais verbas públicas para o Fundo Nacional de Cultura, com políticas públicas, transparentes e democráticas de distribuição de verbas para todo o país.

27/03/2009

Manifestação

DIA MUNDIAL DO TEATRO: OCUPAÇÃO DA FUNARTE EM SÃO PAULO

Cerca de 300 trabalhadores da cultura de mais de 50 grupos teatrais de SP ocuparam o prédio da Fundação Nacional das Artes em protesto à privatização da cultura e lançaram uma carta aberta ao Governo.

CARTA ABERTA AO MINISTÉRIO DA CULTURA

Hoje, no Dia Mundial do Teatro, nós, trabalhadores de grupos teatrais de São Paulo, organizados no Movimento 27 de Março, somos obrigados a ocupar as dependências da Funarte na cidade. A atitude extrema é provocada pelo falso diálogo proposto pelo governo federal, que teima em nos usar num debate de mão única. Cobramos, ao contrário, o diálogo honesto e democrático que nos tem sido negado.

O governo impõe um único programa: a transferência de recursos públicos para o marketing privado, o que não contempla a cultura, mas grandes empresas que não fazem cultura. E se recusa, sistematicamente, a discutir qualquer outra alternativa.

21/03/2009

Documento

Carta Aberta ao Presidente Lula e ao Ministro da Cultura Juca Ferreira
Ilustríssimos Senhores

Nos últimos seis anos do vosso governo constatamos que não houve nenhum avanço na criação e no desenvolvimento de políticas públicas, democráticas, transparentes e descentralizadas para as artes no país, apesar dos Programas de Cultura do Partido dos Trabalhadores, que apontavam para um novo modelo gestor, de entendimento da Questão Cultural e que serviram de base para as diferentes campanhas políticas até a eleição do atual governo. E isso frustra a categoria, dadas as expectativas geradas pela vossa eleição e o modelo exemplar que ele poderia representar para as políticas públicas estaduais e municipais por todo o país.

01/05/2008

Poesia

Meu Maio

A todos
que saíram às ruas,
de corpo-máquina cansado,
a todos
que imploram feriado
às costas que a terra
extenua
Primeiro de Maio!
O primeiro dos maios:
saudai-o enquanto
harmonizamos voz em
canto.
Sou operário
este é meu maio!
Sou camponês
este é meu mês.
Sou ferro
eis o maio que eu quero!
Sou terra
O maio é minha era!

16/04/2008

Lei Rouanet

O negócio da cultura
por SÉRGIO DE CARVALHO e MARCO ANTONIO RODRIGUES



A idéia da Lei Rouanet parece boa, mas contém um movimento nefasto: verbas públicas passam a ser regidas pela vontade privada

O debate sobre a extinção da Lei Rouanet tem mobilizado setores importantes da sociedade brasileira. Parte da classe artística, secretários de governo e jornalistas têm assumido o ponto de vista "reformar, sim, acabar, nunca!".

04/03/2008

Canção

Amanhecerá(Hilton Acioli / Claudir Franciatto / Stefan Mantu)

Livre será manhã
Vir a sentar-se à mesa e vai
Comer do nosso pão e vai
Beber d'água corrente

Das mortalhas nossa mesa se fará
Nas fogueiras nosso pão se assará
Dos grilhões, pó, ferrugem restará
Pra forjar aço novo pra cortar

19/12/2007

AS MILÍCIAS NO PODER

O indiscreto interesse das novelas
por Luiz Carlos Ramiro Jr.



As novelas da Rede Globo representam o maior canal de recepção de informação audiovisual da população brasileira. É um traçado diário da vida burguesa e pequeno-burguesa, em geral do Rio de Janeiro ou São Paulo, com algum núcleo pobre para passar uma imagem democrática, mas que é sempre subserviente ao núcleo rico. A relação de classes é de amizade ou tutela, raramente há conflito. A novela não é a vida real. Mas sim a verdade que a elite quer que as pessoas recepcionem. Que é ilógica!

13/11/2007

Cinema

Tropa da Elite e para a Elite
por Caio Dezorzi

Tropa de Elite, o filme de maior sucesso do cinema brasileiro, é tecnicamente muito bem feito. Também não é pra menos. Quem foi ao cinema viu a quantidade de patrocinadores que investiram na produção. Antes do filme começar são quase 5 minutos só mostrando os logos de grandes empresas. E como sabemos, quem paga a banda escolhe a música! E a burguesia brasileira não ia pagar pra fazerem um filme que mostrasse a verdade, ou seja, de que ela – a burguesia – é a real responsável pela barbárie em que vivem as porções marginalizadas da população carioca e de todo o Brasil.

03/08/2007

Poesia

Operário em Construção
(Vinícius de Moraes)

Era ele que erguia casas
Onde antes só havia chão.

Como um pássaro sem asas
Ele subia com as casas
Que lhe brotavam da mão.

Mas tudo desconhecia
De sua grande missão:

Não sabia, por exemplo
Que a casa de um homem é um templo
Um templo sem religião

Como tampouco sabia
Que a casa que ele fazia
Sendo a sua liberdade
Era a sua escravidão.

De fato, como podia
Um operário em construção
Compreender por que um tijolo
Valia mais do que um pão?

Tijolos ele empilhava
Com pá, cimento e esquadria
Quanto ao pão, ele o comia...
Mas fosse comer o tijolo!

20/07/2007

Fome de Arte

por Alex Minoru

A arte, tão essencial para nossas vidas, encontra-se muitas vezes distante devido aos preços elevados dos ingressos de cinemas, teatros, shows, dos espaços culturais que muitas vezes estão distantes da periferia. O que é preciso para o artista sobreviver dignamente e para toda a arte estar acessível ao povo é o investimento do estado na cultura, o que historicamente não vem ocorrendo, obrigando o artista a ir mendigar dinheiro às empresas, aos patrões, recebendo a porta na cara quando o projeto não é lucrativo, quando a marca da empresa não terá grande visibilidade, ocasionando o que Ney Piacentini (ator e presidente da Cooperativa Paulista de Teatro) lembra em um exemplo: “Um banco usou R$ 9 milhões de isenção de impostos para trazer uma companhia internacional ao Brasil, cujos ingressos custam meio salário mínimo” (referindo-se ao Bradesco que patrocinou a vinda do Cirque du Soleil), é exatamente isso o que gera a Lei de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) do governo federal, dinheiro que poderia estar sendo arrecadado pelo Estado, que fica para os empresários investirem no que for mais lucrativo para eles. Enquanto isso, o Ministério da Cultura conta com pífios 0,6% do orçamento, quando a própria Unesco recomenda 1% do orçamento para a cultura. A falta de dinheiro do Estado tem um grande culpado já bem conhecido, o superávit fiscal primário reservado para o pagamento da dívida, enquanto essa política de submissão permanecer, vai faltar para os trabalhadores educação, saúde, segurança, moradia, emprego e arte.

01/01/2007

Canção

O Que Foi Feito Deverá
(Milton Nascimento / Fernando Brant / Márcio Borges)

O que foi feito amigo
De tudo que a gente sonhou?
O que foi feito da vida?
O que foi do amor?

Quisera encontrar
Aquele verso menino que escrevi
Há tantos anos atrás

Falo assim sem saudade
Falo assim por saber

Se muito vale o já feito
Mais vale o que será
E o que foi feito é preciso conhecer
Para melhor prosseguir

Falo assim sem tristeza
Falo por acreditar
Que é cobrando o que fomos
Que nós iremos crescer

Outros Outubros virão
Outras manhãs plenas de sol e de luz

(canção gravada por Elis Regina em 1980 no álbum "Saudade do Brasil")

02/10/2006

Atualidade do Manifesto de 1938

por Caio Dezorzi

Em 1938 a idéia de agrupar artistas e pensadores em torno da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente) tinha como pretensão fazer frente a dois grandes obstáculos à livre expressão artística e espiritual do ser humano: o capitalismo e o stalinismo.

25/07/2006

Manifesto da F.I.A.R.I. de 1938

Por uma Arte Revolucionária Independente
André Breton, Diego Rivera e Leon Trotsky

1) Pode-se pretender sem exagero que nunca a civilização humana esteve ameaçada por tantos perigos quanto hoje. Os vândalos, com o auxílio de seus meios bárbaros, isto é, deveras precários, destruíram a civilização antiga num canto limitado da Europa. Atualmente, é toda a civilização mundial, na unidade de seu destino histórico, que vacila sob a ameaça das forças reacionárias armadas com toda a técnica moderna. Não temos somente em vista a guerra que se aproxima. Mesmo agora, em tempo de paz, a situação da ciência e da arte se tornou absolutamente intolerável.

2) Naquilo que ela conserva de individualidade em sua gênese, naquilo que aciona qualidades subjetivas para extrair um certo fato que leva a um enriquecimento objetivo, uma descoberta filosófica, sociológica, científica ou artística aparece como o fruto de um acaso precioso, quer dizer, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não se poderia desprezar uma tal contribuição, tanto do ponto de vista do conhecimento geral (que tende a que a interpretação do mundo continue), quanto do ponto de vista revolucionário (que, para chegar à transformação do mundo, exige que tenhamos uma idéia exata das leis que regem seu movimento). Mais particularmente, não seria possível desinteressar-se das condições mentais nas quais essa contribuição continua a produzir-se e, para isso, zelar para que seja garantido o respeito às leis específicas a que está sujeita a criação intelectual.

3) Ora, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais geral dessas leis, violação à qual corresponde necessariamente um aviltamento cada vez mais patente, não somente da obra de arte, mas também da personalidade “artística”. O fascismo hitlerista, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressaram em alguma medida o amor pela liberdade, fosse ela apenas formal, obrigou aqueles que ainda podiam consentir em manejar uma pena ou um pincel a se tornarem os lacaios do regime e a celebrá-lo de encomenda, nos limites exteriores do pior convencionalismo. Exceto quanto à propaganda, a mesma coisa aconteceu na URSS durante o período de furiosa reação que agora atingiu seu apogeu.

4) É evidente que não nos solidarizamos por um instante sequer, seja qual for seu sucesso atual, com a palavra de ordem: “Nem fascismo nem comunismo”, que corresponde à natureza do filisteu conservador e atemorizado, que se aferra aos vestígios do passado “democrático”. A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades interiores do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a. criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda a humanidade elevar-se a alturas que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao mesmo tempo, reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura. Se, no entanto, rejeitamos qualquer solidariedade com a casta atualmente dirigente na URSS, é precisamente porque no nosso entender ela não representa o comunismo, mas é o seu inimigo mais pérfido e mais perigoso.

5) Sob a influência do regime totalitário da URSS e por intermédio dos organismos ditos “culturais” que ela controla nos outros países, baixou no mundo todo um profundo crepúsculo hostil à emergência de qualquer espécie de valor espiritual. Crepúsculo de abjeção e de sangue no qual, disfarçados de intelectuais e de artistas, chafurdam homens que fizeram do servilismo um trampolim, da apostasia um jogo perverso, do falso testemunho venal um hábito e da apologia do crime um prazer. A arte oficial da época estalinista reflete com uma crueldade sem exemplo na história os esforços irrisórios desses homens para enganar e mascarar seu verdadeiro papel mercenário.

6) A surda reprovação suscitada no mundo artístico por essa negação desavergonhada dos princípios aos quais a arte sempre obedeceu, e que até Estados instituídos sobre a escravidão não tiveram a audácia de contestar tão totalmente, deve dar lugar a uma condenação implacável. A oposição artística é hoje uma das forças que podem com eficácia contribuir para o descrédito e ruína dos regimes que destroem, ao mesmo tempo, o direito da classe explorada de aspirar a um mundo melhor e todo sentimento da grandeza e mesmo da dignidade humana.

7) A revolução comunista não teme a arte. Ela sabe que ao cabo das pesquisas que se podem fazer sobre a formação da vocação artística na sociedade capitalista que desmorona, a determinação dessa vocação não pode ocorrer senão como o resultado de uma colisão entre o homem e um certo número de formas sociais que lhe são adversas. Essa única conjuntura, a não ser pelo grau de consciência que resta adquirir, converte o artista em seu aliado potencial. O mecanismo de sublimação, que intervém em tal caso, e que a psicanálise pôs em evidência, tem por objeto restabelecer o equilíbrio rompido entre o “ego” coerente e os elementos recalcados. Esse restabelecimento se opera em proveito do ”ideal do ego” que ergue contra a realidade presente, insuportável, os poderes do mundo interior, do “id”, comuns a todos os homens e constantemente em via de desenvolvimento no futuro. A necessidade de emancipação do espírito só tem que seguir seu curso natural para ser levada a fundir-se e a revigorar-se nessa necessidade primordial: a necessidade de emancipação do homem.

8) Segue-se que a arte não pode consentir sem degradação em curvar-se a qualquer diretiva estrangeira e a vir docilmente preencher as funções que alguns julgam poder atribuir-lhe, para fins pragmáticos, extremamente estreitos. Melhor será confiar no dom de prefiguração que é o apanágio de todo artista autêntico, que implica um começo de resolução (virtual) das contradições mais graves de sua época e orienta o pensamento de seus contemporâneos para a urgência do estabelecimento de uma nova ordem.

9) A idéia que o jovem Marx tinha do papel do escritor exige, em nossos dias, uma retomada vigorosa. É claro que essa idéia deve abranger também, no plano artístico e científico, as diversas categorias de produtores e pesquisadores. "O escritor, diz ele, deve naturalmente ganhar dinheiro para poder viver e escrever, mas não deve em nenhum caso viver e escrever para ganhar dinheiro... O escritor não considera de forma alguma seus trabalhos como um meio. Eles são objetivos em si, são tão pouco um meio para si mesmo e para os outros que sacrifica, se necessário, sua própria existência à existência de seus trabalhos... A primeira condição da liberdade de imprensa consiste em não ser um ofício. Mais que nunca é oportuno agora brandir essa declaração contra aqueles que pretendem sujeitar a atividade intelectual a fins exteriores a si mesma e, desprezando todas as determinações históricas que lhe são próprias, dirigir, em função de pretensas razões de Estado, os temas da arte. A livre escolha desses temas e a não-restrição absoluta no que se refere ao campo de sua exploração constituem para o artista um bem que ele tem o direito de reivindicar como inalienável. Em matéria de criação artística, importa essencialmente que a imaginação escape a qualquer coação, não se deixe sob nenhum pretexto impor qualquer figurino. Àqueles que nos pressionarem, hoje ou amanhã, para consentir que a arte seja submetida a uma disciplina que consideramos radicalmente incompatível com seus meios, opomos uma recusa inapelável e nossa vontade deliberada de nos apegarmos à fórmula: toda licença em arte.

10) Reconhecemos, é claro, ao Estado revolucionário o direito de defender-se contra a reação burguesa agressiva, mesmo quando se cobre com a bandeira da ciência ou da arte. Mas entre essas medidas impostas e temporárias de autodefesa revolucionária e a pretensão de exercer um comando sobre a criação intelectual da sociedade, há um abismo. Se, para o desenvolvimento das forças produtivas materiais, cabe à revolução erigir um regime socialista de plano centralizado, para a criação intelectual ela deve, já desde o começo, estabelecer e assegurar um regime anarquista de liberdade individual. Nenhuma autoridade, nenhuma coação, nem o menor traço de comando! As diversas associações de cientistas e os grupos coletivos de artistas que trabalharão para resolver tarefas nunca antes tão grandiosas unicamente podem surgir e desenvolver um trabalho fecundo na base de uma livre amizade criadora, sem a menor coação externa.

11) Do que ficou dito decorre claramente que ao defender a liberdade de criação, não pretendemos absolutamente justificar o indiferentismo político e longe está de nosso pensamento querer ressuscitar uma arte dita “pura” que de ordinário serve aos objetivos mais do que impuros da reação. Não, nós temos um conceito muito elevado da função da arte para negar sua influência sobre o destino da sociedade. Consideramos que a tarefa suprema da arte em nossa época é participar consciente e ativamente da preparação da revolução. No entanto, o artista só pode servir à luta emancipadora quando está compenetrado subjetivamente de seu conteúdo social e individual, quando faz passar por seus nervos o sentido e o drama dessa luta e quando procura livremente dar uma encarnação artística a seu mundo interior.

12) Na época atual, caracterizada pela agonia do capitalismo, tanto democrático quanto fascista, o artista, sem ter sequer necessidade de dar a sua dissidência social uma forma manifesta, vê-se ameaçado da privação do direito de viver e de continuar sua obra pelo bloqueio de todos os seus meios de difusão. É natural que se volte então para as organizações estalinistas que lhe oferecem a possibilidade de escapar a seu isolamento. Mas sua renúncia a tudo que pode constituir sua mensagem própria e as complacência degradantes que essas organizações exigem dele em troca de certas possibilidades materiais lhe proíbem manter-se nelas, por menos que a desmoralização seja impotente para vencer seu caráter. É necessário, desde este instante, que ele compreenda que seu lugar está além, não entre aqueles que traem a causa da revolução e ao mesmo tempo, necessariamente, a causa do homem, mas entre aqueles que dão provas de sua fidelidade inabalável aos princípios dessa revolução, entre aqueles que, por isso, permanecem como os únicos qualificados para ajudá-Ia a realizar-se e para assegurar por ela a livre expressão ulterior de todas as manifestações do gênio humano.

13) O objetivo do presente apelo é encontrar um terreno para reunir todos os defensores revolucionários da arte, para servir a revolução pelos métodos da arte e defender a própria liberdade da arte contra os usurpadores da revolução. Estamos profundamente convencidos de que o encontro nesse terreno é possível para os representantes de tendências estéticas, filosóficas e políticas razoavelmente divergentes. Os marxistas podem caminhar aqui de mãos dadas com os anarquistas, com a condição que uns e outros rompam implacavelmente com o espírito policial reacionário, quer seja representado por Josef Stálin ou por seu vassalo Garcia Oliver.

14) Milhares e milhares de pensadores e de artistas isolados, cuja voz é coberta pelo tumulto odioso dos falsificadores arregimentados, estão atualmente dispersos no mundo. Numerosas pequenas revistas locais tentam agrupar a sua volta forças jovens, que procuram vias novas e não subvenções. Toda tendência progressiva na arte é difamada pelo fascismo como uma degenerescência. Toda criação livre é declarada fascista pelos estalinistas. A arte revolucionária independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar bem alto seu direito à existência. Uma tal união é o objetivo da Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente (FIARI) que julgamos necessário criar.

15) Não temos absolutamente a intenção de impor cada uma das idéias contidas neste apelo, que nós mesmos consideramos apenas um primeiro passo na nova via. A todos os representantes da arte, a todos seus amigos e defensores que não podem deixar de compreender a necessidade do presente apelo, pedimos que ergam a voz imediatamente. Endereçamos o mesmo apelo a todas as publicações independentes de esquerda que estão prontas a tomar parte na criação da Federação Internacional e no exame de suas tarefas e métodos de ação.

16) Quando um primeiro contato internacional tiver sido estabelecido pela imprensa e pela correspondência, procederemos à organização de modestos congressos locais e nacionais. Na etapa seguinte deverá reunir-se um congresso mundial que consagrará oficialmente a fundação da Federação Internacional.

O que queremos:

A independência da arte - para a revolução!
A revolução - para a liberação definitiva da arte!
México, 25 de Julho de 1938